sexta-feira, dezembro 16, 2005

Tempo, provincianos e um texto carregado de verdade

O trabalho, muito trabalho.
Gostava de ter mais tempo para falar aqui sobre certos assuntos da actualidade, como a original novela pseudo cómica criada pela merda mal cheirosa que, com o desespero bacoco próprio dos provincianos pacóvios, parece que já trazem à baila a história do Estoril outra vez (sim, porque nunca ninguém viu o fc gaia a jogar cá em Braga com o Moreirense, ou o fc gaia a jogar na Maia com o Leça... foi tudo fruto da nossa imaginação..... ou então, aí era tudo normal, não havia irregularidade nenhuma porque se tratava, claro, do fc gaia...), mas o tempo não estica e não dá mesmo para me alongar muito sobre essas caricaturas.

Publico então aqui um texto que mantinha em draft já há alguns dias. Foi escrito pelo Fernando Seara, na sua crónica semanal de sábado, no jornal A Bola. Não vou muito com a sua personalidade (talvez por achar que é muito brando, muito "educado de mais" e que por isso mesmo nunca defende os interesses do Benfica como deve ser) mas a verdade é que muito do que ele escreve neste texto é a verdade tal e qual ela é, nua e crua.
_____________________

O alvo


Durante cerca de dez anos, o clube Sport Lisboa e Benfica atravessou momentos de inaudita dificuldade. Quer na sua gestão interna quer ao nível desportivo, a instituição Benfica foi uma espécie de bombo da festa deste pequenino mundo do futebol português, um alvo delapidado e vilipendiado por tudo e todos, a começar por alguns que se dizem benfiquistas. Há cerca de três anos iniciou-se um movimento credível de reabilitação do clube, que teve como corolários a manutenção da estabilidade de uma equipa de futebol, a obtenção de resultados desportivos, o equilíbrio e planeamento financeiro e a perspectivação de um desenvolvimento sustentado. É verdade que não há quem esteja imune a críticas e os verdadeiros benfiquistas não passam cheques em branco a ninguém, para sempre. Não quer isto dizer que, cegamente, não se reconheça o trabalho e os resultados entretanto obtidos.No presente, uma série consecutiva de seis jogos sem ganhar parece ter despertado as lamúrias de antigamente. É que, ao contrário de outros que inventam sempre um inimigo externo (dos árbitros ao centralismo político), as ondas de contestação no Benfica têm sempre como alvo o próprio clube. Ou é o treinador, ou são os dirigentes e, até, os próprios jogadores, que caem facilmente na voragem da antipatia generalizada. Veja-se, por exemplo, o que esteve para acontecer com Giovanni Trapatoni a época passada, quando o treinador italiano não pode contar com Miguel e Luisão. No fim, foi o que se viu...Outra realidade a que os verdadeiros benfiquistas terão de permanecer atentos é a da economia paralela que geram. Quero dizer com isto que um Benfica fraco, polémico e vulnerável vende e muito, muito mais do que um Benfica forte, coeso e vencedor. E já todos conhecemos a novela: o treinador é um incompetente que nada percebe de futebol, o jogador tal que está prestes a bater com a porta, as inúmeras aquisições arranjadas e, desde logo, abortadas. Custa saber que é assim, mas só os grandes clubes da Europa se podem queixar do mesmo. Dos outros, não reza a história...

Um dos episódios mais inacreditáveis da presente temporada esteve na deslocação da equipa da Luz a Braga. De repente, a grande questão à volta do jogo foi a de saber se iriam deslocar-se mais benfiquistas ou bracarenses ao Municipal local. As televisões fizeram mesmo a verdadeira apologia da mística minhota, exaltando um regionalismo que surpreendeu, certamente, os hospitaleiros habitantes de Braga e arredores, pouco avessos a estas lutas e que sempre receberam bem toda a gente. De tal forma que, honestamente, temi que se organizasse uma espécie de caça ao benfiquista de Braga ou ao bracarense que simpatiza com o Benfica, ambos considerados os grandes e únicos responsáveis por o Sporting Clube de Braga nunca ter sido campeão nacional. Se não fosse tão ridículo até daria vontade de rir...

Depois, há a questão da arbitragem. Muito sinceramente, e processos dourados à parte, não acredito que os árbitros sejam pagos ou conduzidos a apitar contra o Benfica. Mas imagine-se um árbitro que vai para um jogo da equipa da Luz e que, durante a semana inteira, vê um lance mil vezes repetido nas televisões e em que um colega seu, de forma acidental, decidiu a favor do Benfica. A quantidade de ónus social e a carga de bílis que é descarregada, directa ou subtilmente, por dirigentes e treinadores adversários, é de tal agressividade—mesmo só na semântica! — que, em lances de dúvida, a tendência natural será sempre a de decidir contra o Benfica. Foi o que se passou já esta época com os golos em fora de jogo, os penalties não assinalados, numa contabilidade que é tão notória quanto clara em desfavor do Benfica. Quem vai arbitrar o Benfica não pode ter medo de se enganar a favor do Benfica, se for essa a sua convicção, porque o mesmo acontece com todos os outros clubes. Só que um engano a favor do emblema da águia faz cair o Carmo e a Trindade. Quando é decidido a favor de outros, era porque o árbitro tinha o ângulo de visão tapado...

Por muitas temporadas e apitos dourados que passem, nada há a fazer contra este estado de coisas. E é bom que o Benfica, jogadores, técnicos, dirigentes, sócios e simpatizantes saibam perceber isto. E delimitar as melhores formas de ultrapassar esta realidade. Com todos e todas que a conhecem em profundidade.

(...)

Fernando Seara, "Factos e protagonistas"

(texto completo aqui)
eXTReMe Tracker


referer referrer referers referrers http_referer